sexta-feira, 16 de julho de 2010

A verdade dentro do espelho

Aquele que te olha de dentro do espelho não nega a verdade que sabe de você.
Podemos nos negar dos erros que cometemos, dos julgamentos que passamos, nos defeitos que vemos no alheio. Rechaçamos o que de mal falam de nós, inverdades venenosas que negamos com toda a força da alma. Tudo pode ser feito, tudo pode ser dissimulado, mas quando em frente daquele que te julga apenas no reflexo em teus olhos, não há como negar, não há o que esconder.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Mal traçadas linhas ...


Venho, por estas mal traçadas linhas... E começava mais uma carta para o amigo distante, em distância e tempo. Já se iam muitos anos, décadas que já não se encontrava com o amigo de tempos jovens e audazes. Era uma dupla e tanto, nas longas noites, de bar em bar, nos clubes e cabarés. Eram a alegria das mulheres, onde quer que chegassem. Conversas, brincadeiras, amores furtivos, beliscos nos pecados da vida, sem fazer mal a qualquer um.
Quantas noites embriagadas pela bebida e pelo amor rasgaram madrugadas afora e terminaram sentados à fonte da praça da cidade em que gastaram com tanta alegria suas juventudes.
O tempo passou e a vidas os distanciou. Formaram famílias que cresceram e procriaram, filhos, netos e bisnetos. Mesmo distantes sempre se corresponderam, mantiveram em dia as notícias das aventuras novas, agora vividas pelos que de seus frutos vieram.
Todo o dia sentava-se à velha mesa de pedra do terraço, cercado de plantas e a vista do mar que insistia em bater, incansável, nos rochedos abaixo.
Há tempo que escreve e nenhuma resposta vem. Fiel a seu designo, continuava a escrever. “Vai ver está ocupado, viajando pra lados distantes daqui, senão viria visitar”. Ainda assim, escrevia. “Quando voltar, responderá a todas de uma vez”.
E o tempo passava.
Um dia lhe chega uma carta, remetida pelo amigo. Não reconheceu as letras do envelope. Abriu. A escrita era do velho amigo. Seu coração sorriu. Começou avidamente a ler o que tanto esperava. Queria saber das novas aventuras que o amigo, que já há algum tempo não escrevia, tinha arranjado para si.
A carta dizia: “Velho amigo de bons tempos. Quando estiveres lendo esta, já terei partido para a mais longa aventura de minha vida. Levo comigo a lembrança de nossa juventude, de tudo que vivemos juntos. Estou muito adoentado e não queria que isso fosse tirar o brilho de nossas memórias. Escrevi esta na última de minhas forças. Vou guardá-la onde só acharão depois que aqui não estiver. Deixo instruções para que te enviem. Este é meu abraço, minha despedida e agradecimento por tão pura amizade, tal qual não tive igual. Meu amigo fiel levo comigo, dentro do meu coração a sua amizade, o amor de um irmão”.
Junto, vinha um cartão, escrito na mesma letra do envelope. Nele estava escrito: ”Caro senhor, cresci ouvindo histórias de suas aventuras com meu bisavô. Elas iluminaram minha infância e juventude, fizeram de mim o que sou hoje. Por ouvir as histórias por vocês vividas, me inspirei e me tornei escritor. Perpetuo com minhas palavras as alegrias divididas pelos dois. Sei que a diferença de idade é muita, mas gostaria de continuar onde meu bisavô parou. Sinto em meu coração a força da sua amizade, cultivada pela empolgação e carinho com que ele as citava. Se a distância das idades não for maior que a que nos separa, terei orgulho e prazer em receber suas mal traçadas linhas”.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Na hora de dar ...

-Adivinha o que estou pensando, perguntei.
– Sei lá, ela me respondeu com um olhar suspeito. – Só pode ser besteira, você sempre pensa em besteira.
–Como assim? Retruquei Nem sempre penso em besteira, e como você pode ter tanta certeza?
– Pelos seus olhos. Eles ficam brilhando quando você pensa no que não deve.
– Ora! Então tem coisa que eu não deveria estar pensando, essa é boa. Como o quê? Dá um exemplo.
– Você sabe muito bem, quando vem com esses olhos assim, só pode ser uma coisa, nada mais, eu te conheço muito bem, ela insistiu. Não vem que não tem!
-Acho que você podia ser mais original, dar um motivo sincero e não se esquivar assim, tão bagunçado. Afinal de contas eu mereço consideração e não este julgamento sumário, uma execução contra um muro. Isso dói, não, isso mata, tanto um quanto o outro.
– Que outro? Ela pergunta.
– Como que outro, do que acabei de falar, que dói, não, que mata.
– Você morreu? Disse sarcástica, me olhando.
– Não, não morri! Ora, você está é enrolando a conversa. Vamos ao que interessa?
– O que interessa e a quem? Ela me olha seriamente.
– Interessa a mim, a você... Acho!
– Não tenha tanta certeza, ela responde.
– Então se você não se importa, não tem que resistir, concorda?
Ela parou pra pensar... – Eu posso não me importar, mas resisto à tentação de ceder tão facilmente.
– Ceder facilmente? O que você chama de ceder facilmente... Ora, estou a quase meia hora gastando minhas palavras tentando te convencer e tudo que ouço é que penso em besteira. E você, fazendo estes julgamentos precipitados da minha pessoa.
– Não se trata disso, ela me diz, é que nada pode ser fácil assim.
– Lá vai você de novo pelo caminho errado. Resolve! O que vai ser?
– Ah! ... Ora... Promete que não vai tudo de uma vez?
– Ta, ta, prometo, vai! Disse já meio desesperado.
– Tudo bem, está bom. Eu dou. Pode comer. Lambuza-se no pudim! Mas você lava o prato!