quarta-feira, 14 de julho de 2010

Mal traçadas linhas ...


Venho, por estas mal traçadas linhas... E começava mais uma carta para o amigo distante, em distância e tempo. Já se iam muitos anos, décadas que já não se encontrava com o amigo de tempos jovens e audazes. Era uma dupla e tanto, nas longas noites, de bar em bar, nos clubes e cabarés. Eram a alegria das mulheres, onde quer que chegassem. Conversas, brincadeiras, amores furtivos, beliscos nos pecados da vida, sem fazer mal a qualquer um.
Quantas noites embriagadas pela bebida e pelo amor rasgaram madrugadas afora e terminaram sentados à fonte da praça da cidade em que gastaram com tanta alegria suas juventudes.
O tempo passou e a vidas os distanciou. Formaram famílias que cresceram e procriaram, filhos, netos e bisnetos. Mesmo distantes sempre se corresponderam, mantiveram em dia as notícias das aventuras novas, agora vividas pelos que de seus frutos vieram.
Todo o dia sentava-se à velha mesa de pedra do terraço, cercado de plantas e a vista do mar que insistia em bater, incansável, nos rochedos abaixo.
Há tempo que escreve e nenhuma resposta vem. Fiel a seu designo, continuava a escrever. “Vai ver está ocupado, viajando pra lados distantes daqui, senão viria visitar”. Ainda assim, escrevia. “Quando voltar, responderá a todas de uma vez”.
E o tempo passava.
Um dia lhe chega uma carta, remetida pelo amigo. Não reconheceu as letras do envelope. Abriu. A escrita era do velho amigo. Seu coração sorriu. Começou avidamente a ler o que tanto esperava. Queria saber das novas aventuras que o amigo, que já há algum tempo não escrevia, tinha arranjado para si.
A carta dizia: “Velho amigo de bons tempos. Quando estiveres lendo esta, já terei partido para a mais longa aventura de minha vida. Levo comigo a lembrança de nossa juventude, de tudo que vivemos juntos. Estou muito adoentado e não queria que isso fosse tirar o brilho de nossas memórias. Escrevi esta na última de minhas forças. Vou guardá-la onde só acharão depois que aqui não estiver. Deixo instruções para que te enviem. Este é meu abraço, minha despedida e agradecimento por tão pura amizade, tal qual não tive igual. Meu amigo fiel levo comigo, dentro do meu coração a sua amizade, o amor de um irmão”.
Junto, vinha um cartão, escrito na mesma letra do envelope. Nele estava escrito: ”Caro senhor, cresci ouvindo histórias de suas aventuras com meu bisavô. Elas iluminaram minha infância e juventude, fizeram de mim o que sou hoje. Por ouvir as histórias por vocês vividas, me inspirei e me tornei escritor. Perpetuo com minhas palavras as alegrias divididas pelos dois. Sei que a diferença de idade é muita, mas gostaria de continuar onde meu bisavô parou. Sinto em meu coração a força da sua amizade, cultivada pela empolgação e carinho com que ele as citava. Se a distância das idades não for maior que a que nos separa, terei orgulho e prazer em receber suas mal traçadas linhas”.

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