quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Julia - 2ª Parte

Angústia.

Ela estava totalmente angustiada.  O baile de benefício no Hotel Plaza fora um desastre para ela.
Tudo estava indo bem. As pessoas mais influentes do país estavam lá, elas os conhecia, quase todos, mas ela nunca podia confiar em nenhum deles, que se tratava de política e dinheiro. Ela tinha o dinheiro e a influencia, mas nada disso a fazia feliz. Ela uma vida restrita e cheia de protocolos, presa a um casamento de conveniência, não dela, mas da família e toda a pressão imposta a fez se entregar.
Desde que seu pai falecera ela se tornou presidente de uma das mais poderosas e bem sucedidas instituição financeira do país. E não queria nada disso, mas não teve escolha.
A festa seguia em seu esplendor. Ela se sentiu um pouco cansada e resolveu ir até a sua suíte para descansar um pouco. Pelo jeito a festa ia durar muito tempo, já que todos estavam se divertindo, fazendo jus aos US10. 000,00 que cada um tinha doado para caridade.
Ela pegou o elevador para o 6º andar, se livrou dos sapatos que estavam cansando seus pés. No andar, ela saiu e seguiu em direção do quarto e usou sua chave para entrar. Ouviu vozes e risos. O que estava acontecendo? Ela pensou. Ao entrar na sala notou roupas pelo chão. Uma fresta mostrava que a porta do quarto não estava totalmente fechada. Foi em sua direção e a abriu suavemente.
Nada em sua vida a tinha preparado para o que ela encontrou. Deitados na cama. Lauren Harben, sua melhor amiga e Geoffrey, seu marido, enlaçados em um frenesi sexual de grunhidos e gemidos. Eles nem notaram sua presença. Ela ficou ali por um pouco vendo aquela grotesca cena em total descrença.
Ela nunca poderia suspeitar e, pelo jeito, já vinha acontecendo há algum tempo, visto a total intimidade que estavam tendo.
Ela pegou seu casaco na cadeira da sala e saiu da suíte sem ser notada, foi para o bar do hotel, sentou-se numa mesa em um canto discreto, chamou o garçom, pediu um drink e ficou bebendo uns martinis até que as pessoas começaram a deixar a hotel.
A festa terminara.
Chamou sua limusine e pediu ao chofer para dirigir pela cidade.
A manhã já chegara há algum tempo quando pediu que a deixasse em uma cafeteria no Soho.
Ela deu instruções para ele dizer ao marido para não procurar por ela. Seus advogados iriam entrar em contato com ele. Se ele perguntasse por quê?
-Diga a ele que eu fui até o quarto ontem à noite. Isso é tudo que você deve dizer a ele, ela disse.
Ela comprou um jornal na esquina e se lembrou de que não tinha comido nada naquele custoso Buffet e que os martinis não estavam ajudando em nada. Foi para a cafeteria tomar seu café da manhã.
Ela tomou seu café com torradas francesas, mel e uma variedade de geleias que foram servidas e começou a ler o jornal. Na primeira página em letras grandes, o sucesso do baile beneficente no Hotel Plaza, na noite anterior. Ela deixou o jornal à mesa.
O dia estava frio, mas não muito, então, começou a caminhar pelo Soho e acabou indo até Chinatown onde almoçou em um dos restaurantes, foi ao toalete, retocou sua maquiagem, o pouco que usava, e saiu do restaurante.
Era começo da tarde quando ela chegou à esquina da Broadway com Rua Canal e decidiu pegar o metro para Deus sabe onde. Tomou o primeiro trem que parou na plataforma.
Não havia lugar para sentar. Ela se segurou firme na alça de suporte quando o trem saiu da estação, uma experiência totalmente nova para ela e lhe pareceu agradável. Tentando tirar de sua mente a cena da noite anterior, ela notou o jovem em pé, perto da outra porta do vagão. Deve ter entrado depois dela. Já que não se lembrava de tê-lo visto na estação.
Começou a analisá-lo. Ela era boa nisso, seu pai a ensinara bem. Aparentemente pelo que acontecera no hotel, não suficientemente bem.
O jovem devia ter seus vinte e poucos anos de idade, tinha uma tristeza escondida de um ser solitário e parecia ser uma pessoa de bom coração, um cavalheiro, conduzindo uma vida simples e ela se sentiu atraída por ele de imediato. Não conseguia entender o que seus sentimentos estavam fazendo com ela. Talvez pelo que ela havia descoberto no hotel, na noite anterior, suas defesas se enfraqueceram e não conseguia parar de olhar para aquele estranho. Era hipnótico.
O trem parou em uma estação e um assento duplo perto dele esvaziou e ele sentou-se. Ela foi pega olhando para ele, e foi notada. Meio tímido, ele a olhava tentando não ser notado, sem sucesso.
Num impulso ela foi à direção dele e perguntou se podia sentar e ele educadamente disse que sim, estava disponível e se acomodou de forma a dar espaço para ela no assento.
Além de uma mochila, ele tinha uma câmera na mão.
Ela puxou conversa e descobriu que ele era um fotógrafo amador, uma de suas próprias paixões. Tão empolgada ficou que acabou se oferecendo a ir à sua casa, um total estranho, na desculpa de ver seu trabalho.
Quando entrou no apartamento, ela não sabia o que esperar. Era um lugar bem simples, mas arrumado, limpo e de bom gosto e sentiu-se confortável e segura.
Eles conversaram sobre as fotos e ela se mostrou curiosa para saber de tudo a respeito delas. Em todos os momentos o estranho foi um gentil e respeitoso cavalheiro. O mesmo ela não podia dizer a respeito dos homens que conhecia, amigos do marido, que dada à chance, pulariam com unhas e dentes em cima dela.
Tomaram um pouco de vinho e conversaram. O tempo foi passando.
Ela olhou para fora da janela e viu que a noite havia chegado. Ela tinha que ir. Tinha que encarar os fatos. Tinha decidido ficar em outro quarto no hotel. Ela não conseguiria entrar na casa que tinham no lado oeste da cidade. Talvez ela devesse se mudar para a casa que tinha nos Hamptons. Ela não sabia exatamente o que fazer.
Ela segurou suas mãos. Um sentimento de tristeza tomou conta dela e lágrimas desceram. Ela pegou um lencinho que tinha no bolso da jaqueta e as secou. Ele a olhava. Seus olhos tinham uma intensidade tão forte. Ele era definitivamente uma boa pessoa e isso a fez mais triste ainda. Ela tinha que ir, não queria, mas tinha que ir.
Ela se levantou e disse que estava indo embora. Ele se ofereceu levá-la até embaixo, mas ela recusou. À porta ela o beijou no rosto e se dirigiu à escada. Ele perguntou pelo nome dela. Ela virou-se e disse:
-Julia, é Julia.
Ela atravessou a rua, chamou um taxi e disse ao motorista para levá-la ao Hotel Plaza e se recostou no assento.
Então ela concluiu que nem sabia seu nome.

Continua ...

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Julia - 1ª parte

Acaso

Era uma calma e fria tarde de outono em New York  e como sempre fazia aos sábados, lá estava eu perambulando pelo Soho, aproveitando o dia até escurecer, cumprindo um delicioso ritual que incluía a ida a algumas galerias, olhar umas vitrines, as pessoas nas ruas e tirar algumas fotos.
Naquele sábado, porém, decidi parar mais cedo. Andei até a Little Italy para comprar uns pães, queijos e um bom vinho para levar para casa, então, peguei o metrô na estação da Broadway com Canal, indo para o upper eastside da cidade.
Nessa época, eu morava em um antigo prédio na 3ª Avenida, perto da Rua 94.
O pequeno apartamento no quarto andar era meu refúgio. Tinha uma ótima vista parcial do East River, de onde eu podia ver as partes superiores das embarcações que passavam pelo rio, levando barcaças com tudo que é tipo de coisas e nos dias de cerração, eu podia ouvir o triste lamento das buzinas de neblina dos navios.
O trem não estava cheio, embora não houvesse assento livre, mas, em pouco tempo, o assento duplo perto da porta  esvaziou e me sentei. Foi aí que notei uma linda mulher em pé, no meio do vagão me observando.
Não costumo gostar de sentir pessoas me observando e, geralmente me dá uma sensação de que algo está errado.
Ela era realmente muito bonita e o mais estranho é que ela parecia estar fora de lugar. Vestia uma saia longa, de tom escuro de cinza, blusa clara com um bordado que seguia verticalmente, próximo aos botões e uma jaqueta longa combinando com a saia, que completava a imagem. E segurava um casaco em um dos braços. Concluí que ela estava vestida para a noite, para algum evento elegante ou algo assim, e por isso me pareceu tão inadequada para um vagão de trem, naquela hora.
Eu estava sentado, segurando a mochila e a câmera e não conseguia evitar ficar olhando a todo instante para aquela mulher. Perdido em meus pensamentos, para minha surpresa, notei que ela vinha em minha direção e aquilo me fez estremecer.
Ela se aproximou e perguntou com uma voz bem doce:
–Posso sentar?
Eu respondi, com uma voz inevitavelmente trêmula.
–Sim, por favor, sente-se.
E abri um espaço para ela sentar.
Ela ficou lá, sentada, quieta por um tempo. Então, virou-se para mim e perguntou se eu era um fotógrafo. Eu disse que era, mas amador, por amor à fotografia. Bastante interessada, começamos a conversar sobre o que eu gostava de fotografar e se fazia isso com muita frequência. Eu contei das minhas excursões aos sábados e ela achou minha dedicação maravilhosa.
Então, perguntei para onde estava indo, no que me respondeu:
- Nenhum lugar em particular, apenas vagando por aí.
Preocupado, aconselhei a não vagar muito para o norte da cidade porque lá não era lugar para uma pessoa como ela, mas não pareceu dar importância ao que eu dissera e perguntou se eu tinha fotos dos meus trabalhos. Eu disse que sim, que tinha uma boa quantidade de fotos impressas, a maioria em preto e branco.
E ela prontamente me perguntou:
- Posso vê-las. Eu adoraria vê-las.
 –Bem, acho que sim. E pensei que o meu apartamento não deveria ser do tipo que ela estaria acostumada a frequentar.
- É um lugar simples.
– Eu gosto de lugares simples.
Quando minha estação chegou, saltamos do trem e fomos para minha casa.
Como eu disse, o lugar era bem simples. Meus equipamentos de fotografia ficavam no quarto dos fundos, tinha a cozinha com um espaço para uma mesa, no canto, bem em frente à porta de entrada e o aposento da frente era uma combinação de quarto e sala de estar, com duas cadeiras bem confortáveis perto da janela, onde eu costumava sentar para ler e tinha uma pequena mesa de chá que completava o jogo.
Ela se acomodou confortavelmente em uma das cadeiras. Como era linda! Deveria ter uns trinta e poucos, não mais que quarenta anos. Entretanto, resplandecia uma aura tão jovial. Seus olhos brilhavam e havia uma excitação quase infantil pela expectativa de ver as minhas fotos.
Eu trouxe alguns álbuns que havia montado e ela começou a folhear, perguntando sobre cada foto. Ela queria saber de tudo a respeito delas. Quando eu as tirei, qual sentimento que tinha me feito tirá-las, se havia alguma história por trás delas.
Nunca alguém havia demonstrado tal interesse a respeito do meu trabalho e eu estava maravilhado. Era um momento tão mágico que eu desejei que nunca terminasse. Nos meus 26 anos de idade nunca tinha visto alguém tão cativante assim! Bebemos um pouco do vinho que eu tinha comprado e a conversa fluía tão naturalmente que nem percebemos o tempo passando.
Num certo momento, ela olhou em direção à janela e notou que a noite chegava. Suas feições mudaram e o sorriso, até então, contagiante, desapareceu. Apertou minhas mãos e me olhou silenciosamente. Seus olhos eram azuis esverdeados, como a superfície de algum lago encantado e seguravam lágrimas, por alguma razão. De repente, sem que eu tivesse tempo, ao menos de confortá-la, mesmo sem saber por qual motivo chorava, se levantou e disse que precisava ir embora, que não havia mais tempo e que jamais esqueceria esse dia.
Fui em direção à porta, atordoado com a brusca partida eu disse:
– Deixe-me, pelo menos, levá-la até lá embaixo.
– Não, ela disse. Vamos nos despedir aqui mesmo.
Ela me beijou levemente no rosto, soltando a minha mão e se dirigiu à escada.
– Espera, eu disse. Eu nem sei o seu nome.
– É Julia, ela disse. Julia.
Julia desceu apressadamente os degraus da escada e fui à janela para observá-la. Julia cruzou a rua, entrou num taxi, que dobrou a esquina da Rua 94, na direção da 2ª Avenida.
Ela nem sabia meu nome.

Continua ...